terça-feira, 31 de março de 2015

O menino do pijama manchado

Eu o vi, tão tímido, sair detrás das pernas de sua mãe para olhar os rostos dos visitantes. Entramos na casinha dele, eu, uma americana, um casal argentino, todos missionários da Jocum. Era uma casinha de um único cômodo, chão de terra batida, telhado de lona e paredes que pareciam um mosaico de diferentes materiais: papelão, plástico, metal,tecido, borracha de pneu.

O menino do pijama manchado tinha dois irmãos, pouca coisa mais velhos. Seus pais eram catadores de papelão naquela turbulenta Buenos Aires. O lugar onde a família morava, com dezenas de outras famílias, era uma área urbana de ocupação ilegal, próxima à linha do trem.

Não consigo esquecer o seu rosto, o seu cabelo desgrenhado e o seu pijama manchado. Não eram manchas de tecido sujo, mas de tecido velho, daquele que, por mais que se esfregue, não tem jeito, continua encardido. Perguntei o seu nome. Recebi de volta um silêncio tímido. Mudo, ele acomodou-se ao meu lado, nos assentos que sua jovem mãe havia providenciado para nós. O seus olhos cor- de- café, cativos ao solo, só se mexiam na minha direção na hora de passar a cuia de mate para as minhas mãos (na Argentina toda roda de conversa é regada a mate - semelhante ao chimarrão gaúcho -  e tomam todos numa mesma cuia com um mesmo canudo (bombilla), num ritual de fraternidade). 

Depois das conversas, orações e rodadas de mate, fomos embora. Lá ficou o menino do pijama manchado. Não sei como está o trabalho atual de apoio missionário cristão à família dele, bem como às demais famílias daquela comunidade. 

Diz Rubens Alves que escrevemos sobre aquilo que queremos eternizar, escrevemos para tonar a ausência em presença, para trazer para perto o que está longe. Se for assim, por isso escrevo agora sobre o menino do pijama manchado. Talvez seja esse o motivo, também, para Mateus, Marcos, Lucas e João terem recontado o Evangelho de Jesus. 

Em algumas noites, sozinho com os meus pensamentos, lembro-me dele. Será como está hoje? Mora na mesma casinha? Seus olhos cor-de-café ainda abrigam sofrimentos? As vezes choro... Acho que por isso gosto tanto da literatura de Dostoiévski; leia suas obras, especialmente Os irmãos Karamázov e você vai perceber a dor que ele sente por causa dos sofrimentos das crianças. Não sei para que elas sofrem, mas sei que seus sofrimentos são os sofrimentos do próprio Deus no mundo.

Queria agora tomar um mate com ele...


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