segunda-feira, 4 de maio de 2015

Feliciano fora das prateleiras


Nos meus tempos de seminarista, Feliciano era a estrela de maior grandeza entre os pregadores pentecostais. Agora, quando o nome dele é sinônimo de polêmica nacional, vem à memória um episódio interessante ligado àqueles tempos em que eu era estudante de Teologia.


Chegou ao meu quarto um aluno novo, acompanhado por um supervisor do Seminário lá em Pindamonhangaba. Este foi logo mostrando ao recém-chegado a sua cama no andar de cima do beliche, sua parcela de espaço no guarda-roupa, sua escrivaninha e as prateleiras das quais poderia dispor na única estante que dividíamos. O rapaz se apresentou brevemente e já, sem muito descanso e papo, iniciou a tarefa de desfazer as malas. Não começou pelo guarda-roupa, mas pela prateleira. Abriu uma bolsa grande e foi ajeitando, de forma muito caprichosa, os seus DVDs de pregações do Marcos Feliciano. 

Quando o novato ia acabando de organizar suas prateleiras, entrou nos nossos aposentos um aluno veterano, já cursando o seu terceiro ano, aquele tipo meio abusado, galhofeiro... Ao ver o que o calouro fazia, não perdeu a oportunidade de dar as "boas-vindas". Saiu e rapidamente retornou, trazendo uma grande sacola de lixo. Aproximou-se da estante e tomou uma atitude inesperada: foi colocando os DVDs do aluno novo, um a um, dentro do saco. Ao terminar, diante do olhar assustado e estático do pobre moço que acabara de acomodar suas relíquias, disse enfaticamente: "Aqui é lugar de se colocar livros! L-i-v-r-o-s, entendeu? Você agora é um estudante de teologia e não uma maritaca repetidora das pregações de outros!". 

O jovem seminarista era discípulo de Feliciano. Este, com o seu estilo inovador (que ia desde o sapato ao cabelo alisado), sua oratória empolgante, suas ideias teologicamente ousadas, criou uma escola homilética que influenciou centenas de pregadores. Começou a pipocar pelas igrejas pentecostais do Brasil uma turma de felicianólatras que tentavam reproduzir até a voz do seu ídolo em suas pregações. Particularmente, nunca me trouxe grande interesse (pregação, para mim, tem que provocar a reação da mente e do espírito e não a agitação do corpo). 

Não foi uma ação tão ética e cristã assim, aquela do terceiranista, é verdade! Mas, se Deus é poderoso para fazer convergir até os nossos equívocos a algum bem, posso ver positividade nisso. O aluno novo tornou-se um estudioso dedicado da Palavra de Deus, reconhecendo a Bíblia como o mais firme referencial hermenêutico dela mesma. Estabelecer o felicianismo como paradigma hermenêutico e homilético é meio arriscado. Bem, o Feliciano, quanto ao seu papel de pastor, não tenho como avaliá-lo, pois não convivo com ele em sua práxis pastoral; como político, posso dizer que não sei se se trata de vocação política mesmo ou oportunismo; mas, na qualidade de pregador, observo que suas extravagâncias hermenêuticas o desqualificam bastante.  

Terminamos com um final feliz. Os dois, veterano e calouro, se tornaram amigos, e este, ao terminar o seu curso, já contava com uma boa coleção de importantes livros teológicos em suas prateleiras. O mais curioso é que até hoje não sei que fim tiveram os DVDs. Só sei que para aquelas mesmas prateleiras nunca mais voltaram.



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