segunda-feira, 15 de junho de 2015

"Pastor, posso ou não posso?": Sobre a hiperdependência pastoral

O irmão João quer vender o seu carro. Marca uma conversa de gabinete com o seu pastor para tratar o assunto. "Não venda não, isso é consumismo! Seu carro aguenta mais dez anos". Mas um parente do pastor se interessa pelo carro do irmão. Aí, volta a ovelha ao gabinete, mas agora o conselho é outro: "Meu filho, Deus me falou que é pra você vender o carro (e ainda indica o comprador, que vocês, leitores, imaginam quem seja!).

Piada? Não! Coisas como essas acontecem nas mais variadas formas. É o que chamo de hiperdependência pastoral, mal
do qual sofrem muitas ovelhas evangélicas. Eu também poderia chamar esse problema de hiperintromissão pastoral na vida alheia, "doença" que acomete muitos pastores.

Há um limite para as interferências pastorais na vida pessoal de seus liderados. Esse limite não pode ser violado em nome das prerrogativas pastorais do aconselhamento e da mentoria, ou com base no argumento da "cobertura espiritual". E todo membro inteligente de igreja deve se proteger do abuso de autoridade pastoral. E todo membro inteligente de igreja deve agir como adulto, tomar suas decisões de modo livre e racional, deixando se guiar, em última instância, pela consciência do Evangelho, não por intermediários. E todo membro inteligente de igreja deve abandonar qualquer tipo de dependência infantil de qualquer "autoridade sacerdotal eclesiástica".

Há membro de igreja que não dá um passo na vida sem consultar seus oráculos, seus gurus espirituais (pastor, missionária, bispo, bispa, irmã do reteté, irmão que sobe monte). "Caso ou não caso?; estudo ou não estudo?; viajo ou não viajo?; bebo água ou refrigerante?; meu filho deve se chamar Pedro ou Manoel?". Será que os gurus e os "ungidos do Senhor" possuem algum acesso a Deus que algum cristão comum não tenha? Será que a Bíblia deles possuem ensinamentos que os demais leitores não sejam capazes de ler? Será que as orações desses "mediadores" chegam a Deus via Sedex, enquanto as súplicas do povo vai ao trono da graça via jumentinho? Ou será que Deus é mais predisposto a ouvir as orações dos engravatados e eclesiasticamente investidos de autoridade?

Eu desconfio que falta a uma boa parcela da massa evangélica brasileira o conhecimento da herança teológica e doutrinária da Reforma Protestante. As ênfases do reformadores, dentre outras várias abordagens. eram: os cristãos, todos eles, são um Reino de sacerdotes, com iguais direitos de acesso ao Santos dos Santos pelo novo e vivo caminho aberto pelo véu; a Bíblia deve estar ao alcance dos leigos em língua vernácula; somente Jesus é o mediador entre Deus e os homens.

Há pastores, a gente sabe disso, que se aproveitam dessa consciência religiosa infantilizada de suas ovelhas para exercerem sobre elas um domínio e uma manipulação que não lhes são permitidos. Para os imperadores eclesiásticos interessa a manutenção desse status quo, baseado no paternalismo e na condescendência. Não querem que o rebanho alcance a maturidade, a liberdade da mente e do espírito que a consciência elevada do Evangelho traz. Porque um povo passional, mimado, infantil, clericalmente dependente, é um povo mais facilmente controlado, é gente que aceita como autoridade final a palavra do pastor e não a Palavra de Deus.

Meses atrás, um jovem membro de uma igreja me procurou para uma conversa. Ele estava meio perturbado, inquieto...

- Quero muito fazer uma faculdade, mas não posso - introduziu ele.
- Por que não?
- Poque meu pastor disse que se eu deixar as atividades semanais da igreja para estudar, estarei pecando e atraindo maldição sobre mim.
- Mas você deve estudar! - respondi de modo firme.
- Mas, nesse caso, não estaria desobedecendo ao pastor? Assim, eu não estaria desagradando a Deus?
- Você agradará a Deus desobedecendo seu pastor, nessa questão.
- Como assim?
- Nenhuma autoridade pastoral despótica e abusiva agrada a Deus. "Foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Portanto, permaneceis firmes e não vos sujeiteis outra veza um jugo de servidão". Toda dominação de consciência que imponha a alguém obrigações e jugos que nada tem a ver com a liberdade do Evangelho puro e simples é diabólica.

O moço está estudando Engenharia Civil. Com a graça de Deus e para a glória de Seu Nome se tornará um excelente engenheiro. Eu espero que ele construa igrejas, muitas delas, que não sejam gaiolas da consciência, mas bosques onde os filhos de Deus vivam a liberdade do Espírito de Cristo.

2 comentários:

  1. O irmão João quer vender o seu carro. Marca uma conversa de gabinete com o seu pastor para tratar o assunto. "Não venda não, isso é consumismo! Seu carro aguenta mais dez anos". Mas um parente do pastor se interessa pelo carro do irmão. Aí, volta a ovelha ao gabinete, mas agora o conselho é outro: "Meu filho, Deus me falou que é pra você vender o carro (e ainda indica o comprador, que vocês, leitores, imaginam quem seja!).

    Existe isso mesmo?

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