terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Os cristãos modernos e inteligentes praticarão uma espiritualidade leve e sem glúten

A indústria do bem-estar a cada ano aumenta o seu poder. O consultor americano Paul Pilzer, em seu livro The Wellness Revolution (A Revolução do Bem-estar, ainda sem a tradução para o português), diz que essa indústria, além de trilionária, é uma tendência universal, tratando-se de um setor promissor e com excelentes oportunidades para novos negócios.
Segundo o autor, um dos fatores que impulsionaram esse mercado é o grave problema da obesidade entre os americanos, consequência dos maus hábitos alimentares adotados nas últimas décadas. Além da alimentação, Pilzer destaca o crescimento da medicina preventiva, que inclui atividades físicas, vitaminas e terapias orientais. Fato é que, hoje em dia, muita gente gasta valores altos com produtos e serviços de bem-estar.
O mercado do bem-estar, nesse processo de explosivo crescimento, contará cada vez mais com um importante aliado: a religião cristã, especialmente o segmento evangélico em sua versão moderna e inteligente. Já volto a esse ponto.
É bem provável que não seja novidade para ninguém que religião e mercado possuem uma relação antiga, cheia de vantagens para ambas as partes. E, nas última décadas, os movimentos neopentecostais, embalados pela teologia da prosperidade, elevaram essa relação a um clímax astronômico. A indústria automobilística, por exemplo, deveria repartir o dízimo entre as igrejas da prosperidade, como uma espécie de comissão, reconhecendo que estas são influentes promotoras de vendas, ao fazerem os seus fiéis acreditarem que bens de consumo caros, como os automóveis, são provas da benção de Deus.
Se os neopentecostais (em sua maioria, gente mais humilde e pouco escolarizada) ajudaram a fomentar a indústria dos bens de consumo, os evangélicos modernos de classe média, com elevado nível cultural, consciência ambiental e hábitos saudáveis, tenderão a fazer da religiosidade cristã apenas um subproduto da indústria do bem-estar.
Tenho essa sensação quando ouço algum evangélico moderninho afirmar coisas do tipo: “precisamos cultivar uma espiritualidade mais integral, que cuide da saúde do corpo, da mente e da alma de igual modo”. Não faz muito tempo, ouvi um sermão no qual o inteligente e bem articulado pastor, dizia: “O que você come diz muito a respeito da sua espiritualidade”. Em um trecho mais adiante, ele se expressou mais ou menos nesses termos: “Se você frequenta a academia, come alimentos saudáveis e participa de atividades prazerosas, você agrada a Deus, pelo fato de estar cuidando do templo mais precioso do Espírito Santo: o seu corpo”.
É interessante observar que em contextos evangélicos fundamentalistas e legalistas de anos passados, principalmente em igrejas pentecostais, imperava um forte ascetismo e dualismo do tipo carne versus espírito, segundo o qual o cuidado do corpo era vaidade e fonte de tentações que representavam sérios riscos para a salvação da alma.  Nesse sentido, impunha-se uma rigorosa e equivocada compreensão de santidade externa, corpórea, que penalizava, sobretudo, as mulheres, com regras como: não cortar o cabelo, não usar sabonete ou maquiagem, etc. Os exercícios físicos e os esportes eram vistos como atividades mundanas, sem proveito espiritual, sendo, portanto, desaconselhadas ou até mesmo proibidas.  
Já os evangélicos modernos e descolados recorrerão a uma hermenêutica inversa, com a valorização da estética corporal, da saúde e do bem-estar como característica de uma espiritualidade completa e integradora e como resultado de uma vida cristã saudável. Se entre os legalistas rigorosos, uma simples taça de vinho tinha um poder terrível de causar escândalo, submetendo o infrator a pesadas sanções, uma deliciosa coxinha de frango com requeijão levará um evangélico fitness a questionar a espiritualidade de alguém. Se a barriguinha à mostra era um pecado, a gordura localizada na barriga poderá, daqui para frente, reduzir o indivíduo a um cristão de segunda categoria.
Acredito que somente gente “ignorante” e “antiquada” levará a religião cristã a sério, no que diz respeito a doutrinas, tradições, instituições e lideranças. O cristianismo só terá lugar no plano de vida dos cristãos modernos e sarados, enquanto mais um item na lista de atividades voltadas para o bem-estar: acordar cedo, correr 10km, cortar o glúten e a lactose, ir de bicicleta para o trabalho, adotar um cachorrinho e praticar algum tipo de “espiritualidade cristã” (seja lá o que se entende por esses dois termos). Corpo são, mente sã, alma sã.  Ou “comer, rezar e amar”, incorporando a filosofia de vida da escritora Elizabeth Gilbert, de autodescoberta e busca pessoal em que os prazeres saudáveis do corpo, a espiritualidade (paz interior) e os sentimentos (afetos, relacionamentos amorosos) são explorados e vivenciados em perfeita harmonia.
Nesse cenário, a figura tradicional do pastor será substituída pela do coaching cristão. Este, não terá de se ocupar com os intermináveis problemas de uma congregação, com as chatices burocráticas da denominação e com o sermão de domingo. Não terá gabinete dentro de uma igreja, mas uma confortável sala em um bonito prédio comercial. O atendimento poderá ser individual ou em grupo e o local será escolhido pelo cliente, tendo preferência aquele que possibilite melhor contemplação, como um parque ou uma praia. Sentado no chão com as pernas cruzadas em postura de meditação, ouvirá o seu personal preacher ensinar-lhe sobre como acordar sempre cheio de novas ideias, cultivar o pensamento positivo, acreditar em si mesmo, ter foco, manter um estilo de vida saudável e, é claro, crer em Deus (essa força cósmica espiritual do bem). 
Assuntos pesados, como pecado ou carregar a cruz, serão banidos por prejudicarem o bem-estar emocional. E na hora da Ceia do Senhor, o pão, é claro, será integral e sem glúten. O cristianismo será oferecido no mercado religioso como mais uma opção de religiosidade consciente, responsável, sustentável e do bem-estar, assim como o budismo. Se para o teólogo da prosperidade, Deus existe para me dar todos os bens materiais que desejo, para o personal preacher, Deus existe para fazer-me sentir bem, leve e feliz.

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